5 de abril de 2009

O som da fome







Na sala escura do CineSesc, as imagens passam angustiosamente pela grande tela, narrando histórias reais. O andar apressado daquelas que vão em busca da única esperança, pelo menos para aquele dia. Mas, no lugar marcado a esperança encontra seu destino, a ausência do alimento. Por todo o país a alegria impera, pois é feriado de Carnaval, mas na Comunidade Santa Rita, no Estado do Ceará, o leite para as crianças não chegou. A pessoa responsável não estava disponível, talvez também estivesse comemorando a maior festa do país. Os passos de volta são mais angustiantes, pela estrada seca e deserta as mães voltam de mãos vazias.
Assim começa Garapa, documentário de José Padilha, que imagem a imagem, mostra a corriqueira luta de mais de 800 milhões de pessoas contra a própria fome. A câmera do diretor capta cada detalhe da vida dessas pessoas, humanizando as estatísticas. O barulho da colher na lata enferrujada e da garapa enchendo a mamadeira das crianças, o choro do menino com dor de dente, as moscas que já não incomodam, mesmo quando pousam sobre as feridas dos pequenos e o cigarro na mão de quem procura, desesperadamente preparar algo para matar a fome dos seus. As cenas se repetem incessantemente, todos os dias, durante anos...
No quintal, a plantação morta, o solo seco e as crianças correndo nuas. A vida dos que moram no sertão, onde a chuva quase nunca cai, se resume na busca pelo alimento. A emoção fica por conta da humildade dessas pessoas, da eterna esperança mesmo diante do nada e da mais pura inocência com que as crianças comem a garapa ou o feijão com farinha, sem conhecer outro sabor.
Garapa não aborda apenas a questão da fome, trata de todos os males, que um Estado ausente e uma sociedade hipócrita podem causar. Mostra como algumas das necessidades mais básicas, como saneamento básico e um sistema de saúde decente, não chegam a muitos lugares do país. As deficiências do nosso país estão estampadas em cada rosto que compõe o documentário, rostos sofridos e cansados de não ter alternativa, a não ser a fome.