19 de abril de 2008

Educação: Eles querem uma pra viver

Aqui eles tiram as máscaras que lhe foram atribuídas: Adolescentes da periferia, falam sobre suas obrigações diárias, interação com o mundo, anseios, o gosto por cultura e principalmente que são feitos de sonhos como qualquer um de nós, tanto quanto são feitos de ossos
Por Anelize Gabriela


Rua das Lágrimas altura do número 2000, ponto de referência “Supermercado da Praça”, este foi o meu destino no feriado do dia 22 de Março, Sexta-feira da Paixão. O objetivo? Encontrar com as vozes rotuladas pela sociedade como “marginais” ou “coniventes com o crime”, por simplesmente morar em uma comunidade chamada Heliópolis, considerada a maior favela da capital paulistana e a segunda maior do Brasil.
São nestas áreas mais pobres que se concentram 31,4% dos paulistanos, dos quais 8,9% são jovens, de acordo com a pesquisa realizada em 2005, pela Fundação Seade (Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados).
Heliópolis está localizada na região sul de São Paulo onde vivem 125 mil pessoas, sendo que 52% deles têm de 0 a 25 anos. Abandono em casa um olhar viciado sobre a vida nas comunidades da periferia para adotar novos olhos, livres de pré-conceitos e são através deles que apresentarei dois nomes que refletirão o que pensam e como vivem os adolescentes desta comunidade.
Estes nomes são: Regis Foge Jacinto, 18, moreno, alto, magro, com um boné branco de lado, uma camiseta com todos os rostos rappers que mais gosta, sempre com um sorriso no rosto, embora muito tímido e sucinto em suas respostas. E Bruno Correia Milani, 17, alto, branco, calças largas, aparentemente mais tímido, mas foi só dar uma brecha que ele foi logo falando o que pensa, os dois são tão inseparáveis que não ouso contar suas histórias individualmente nesta reportagem.
Regis e Bruno têm uma rotina bastante comum: Acordam, vão para um projeto social e depois do almoço vão para escola. Devido à falta de dinheiro andam 1 hora e meia a pé, até o Sesc Ipiranga para praticar natação, musculação e basquete.
O basquete está presente nos sonhos dos dois meninos, pois Bruno quer ser jogador e Regis professor de educação física, por conta da paixão pelo esporte.
Regis mora com a mãe diarista e o pai que trabalha como segurança de uma universidade, já Bruno mora somente com a mãe, pois seus pais são divorciados ela recebe pensão alimentícia, mas faz doces por encomenda para complementar a renda familiar.
Os meninos não gostam de balada nem de funk, dizem que este gênero musical é “modinha”, apenas para ter fama e dinheiro; não fumam, não bebem, gostam da internet como uma ferramenta de pesquisa, Bruno dá um exemplo: “Todo mundo falava sobre células - tronco e eu não sabia o que era e logo fui atrás de um site de notícias para saber melhor sobre o assunto”, Regis também utiliza a internet para se manter informado e fazer bases de rap.
Aliás, se tem algo que estes dois adoram é a ideologia hip hop e as músicas de rap.O por que? Regis faz questão de responder pelos dois, “Gostamos de rap por conta das mensagens das músicas, que são positivas, falam sobre a nossa realidade e o preconceito que os músicos sofrem por serem negros e pertencerem à periferia”.
Bruno conta que este preconceito está dentro de sua própria casa “Minha mãe não se acostuma em morar aqui, diz para eu tomar cuidado, pois todos aqui são marginais. Ela tem medo que eu me envolva com o crime, o crime existe, mas não são todos que participam, a maior parte das pessoas que eu conheço não”.
Quando pergunto sobre suas relações com os estudos, recebo a seguinte resposta, “Não é certo quando dizem que por morarmos na periferia, não gostamos de estudar. A gente gosta, mas o que adianta se o ensino é ruim e quando reclamamos, o governo só troca os professores por outros 20 que também não estão nem um pouco interessados em ensinar”.
São poucas as oportunidades para os adolescentes que moram em periferias. Devido à falta de renda para profissionalização, investimento em educação, exposição aos efeitos da criminalidade, eles conseqüentemente prevêem um futuro que encontrarão dificuldades para ingressar em uma universidade e se inserir no mercado de trabalho.
Segundo a pesquisa de Vulnerabilidade Juvenil da Fundação Seade, nas áreas ricas, 75,7% dos jovens freqüentam o ensino médio, enquanto nas áreas menos favorecidas eles representam 62,5%. No que diz respeito à evasão escolar, 14,9% dos jovens que residem em áreas mais pobres abandonam a escola, enquanto nas áreas ricas o índice é de 7,6%.


Em meio de toda dificuldade sempre há uma oportunidade


Regis e Bruno participam do projeto chamado “Agente Jovem” promovido pela Ong UNAS (União de Núcleos, Associações e Sociedades dos Moradores de Heliópolis e São João Clímaco), em parceria com o Governo Federal.
A instituição conta com 150 adolescentes e 4 educadores, além de obter formação humana e sócio-cultural, esses jovens recebem uma bolsa auxilio de R$65,00 por mês.
O projeto proporciona oficinas educativas com temáticas sobre meio ambiente, saúde, cidadania, customização de desenhos e roupas, além de atividades culturais e artísticas, como teatro e música. As aulas do projeto “Agente Jovem” acontecem de forma dinâmica e os temas são abordados em forma de debates.
As cadeiras são colocadas em circulo, isto demonstra que todos são iguais e têm o direito a palavra, os professores se igualam aos jovens para que ocorra a troca de conhecimento. Bruno e Regis fazem questão de falar “Se as aulas da escola fossem da mesma maneira que acontecem aqui, com debates e atividades culturais, a gente ia até mais animado para a escola estudar”.
O projeto é divido em duas fases, seis meses de teoria e após este período mais seis meses de prática, onde os adolescentes agem como multiplicadores de ações disseminando na comunidade o que aprenderam dentro de sala: a vontade de transformar realidade que vivem.
Há diversos projetos sociais que tem o objetivo de levar até os jovens, conhecimento e qualificação profissional, possibilitando que eles tenham sua primeira oportunidade de emprego, geração de renda, e também faz com que reflitam sobre o mundo que vivem.
“Procuramos o projeto inicialmente por causa da bolsa mensal e principalmente por que não tínhamos o que fazer de manhã. Então nos inscrevemos e agora já estamos a mais de um ano no projeto que traz conhecimento e cultura para nossa realidade”.
“Jovem aprendiz” é outro projeto que tem o mesmo intuito, oferecer profissionalização a jovens carentes de 14 a 24 anos. Para poder participar do projeto é necessário não ter experiência no mercado de trabalho e ter renda familiar de até 2/3 do salário mínimo por pessoa.
Claudia Lucia dos Santos, 39, é assistente social da prefeitura de Embu das Artes há dois anos diz, “O perfil dos jovens que nos procuram, são aqueles mais interessados em fazer cursos para ter uma oportunidade de inserção no mercado de trabalho”.
Pois é meu caro leitor, aqui você conheceu uma parcela da visão que os adolescentes das comunidades periféricas têm sobre a sua própria realidade, como foi mostrado pelos meninos de Heliópolis.
A criminalidade existe no cotidiano destes jovens, mas até onde uma condição precária de vida interfere decisivamente na formação de um individuo e em suas relações com a sociedade?Até onde uma sociedade que se considera tão evoluída vai encarar diferenças sociais como conceitos generalistas de que todos que moram na periferia têm como opção de vida somente a criminalidade?
A declaração de Bruno quebra esses paradigmas de que a maioria dos moradores de periferia são peças integrantes do crime “Entrar para criminalidade apenas é uma opção de vida dentre diversas que temos. Morar em uma comunidade de baixa renda, não é justificativa para traficar ou praticar roubos. Uma vez que alguém decide tomar este caminho fica difícil sair desta vida, por isso não estendemos porquê alguns de nossos colegas optam por se sustentar ou comprar aquilo que se deseja desta forma”.Quer saber “Somos um exemplo disso, somos felizes com o que temos e se eu tivesse mais dinheiro minha vida ia melhorar por que eu poderia, por exemplo, comer alguma coisa que tenho vontade, mais um isto me faria mais feliz, por que feliz nós já somos”.


Uma andorinha faz educação...

Esta andorinha é Flavia, que quando adolescente percebeu que através do seu esforço podia trazer mais educação periferia

Com uma camiseta laranja e bermuda cinza, foi assim que Flavia
Gomes de Assis 27 se descreveu como estaria vestida para que eu a identificasse em frente ao supermercado. Foi Flavia que me levou até a comunidade e ao universo dos adolescentes Regis e Bruno.
Ela é coordenadora do projeto “Agente Jovem”, trabalha há 8 anos envolvida com projetos sociais e há 7 anos junto aos adolescentes e a UNAS.
A sua primeira experiência foi através da música. “Desde criança meu pai sempre me incentivou com a música. Eu sempre fazia algumas percussões em casa e foi com 19 anos que fui convidada para auxiliar os professores da ‘Creche da Mina’ aqui na comunidade mesmo”. Flavia desenvolveu um trabalho com a pré-escola e despertou, através da música, o interesse dos alunos em aprender, adaptando-os ao ambiente escolar.
As músicas englobavam o conteúdo das aulas, cantigas infantis, como “Atirei o pau no gato” e “Terezinha de Jesus” essas canções faziam com que as crianças se acalmassem e prestassem a atenção nas aulas.
O que lhe impulsionou a trabalhar com os projetos sociais foram as condições precárias de sua infância. “Somos uma família de seis filhos e sempre passamos por dificuldades financeiras em casa, me lembro de quando eu era criança eu e meu irmão de 10 anos íamos até a feira por que meu irmão tinha vontade de comer frutas e não tínhamos dinheiro para comprar, então dia de feira, era dia de deixar a vergonha de lado e ir pedir frutas, morria de vergonha, mas fazia isto pelo meu irmão”.
Uma fala de seu irmão que só de lembrar a faz chorar: “Vamos fechar os olhos e a gente imagina que estamos comendo aquele lanche que está passando na TV, só assim a gente vai poder matar a nossa vontade”.
Foi prestando atenção na sua comunidade e convivendo com os meninos dos projetos sociais que Flavia reconheceu que sua vida não era tão difícil quanto imaginava e podia fazer algo para ajudar a mudar a sua própria realidade.
Após o seu trabalho com crianças percebeu que sua vocação não era bem para música e sim como educadora e foi convidada para participar dos projetos com adolescentes na UNAS: “Adolescentes não querem que você seja melhor do que eles, só consegui ter acesso a eles, literalmente ‘trocando idéia’. Os conquistei pela emoção, por aquilo que identifico que os machuca e assim encontrei uma brecha para ajudá-los”.
“Cabeça vazia é oficina do diabo”, este era um dos pensamentos de Flavia quando andava pela comunidade e via as crianças e adolescentes sem ter uma ocupação, ela se sentiu motivada a fazer algo para transformar este cenário, trazendo cursos profissionalizantes e cultura para Heliópolis.
Flavia critica a metologia de ensino atual e diz: “Na escola estes adolescentes não são apresentados para cultura, por isso algumas pessoas tem a idéia de que jovem da periferia não gosta de cultura e informação, mas como alguém vai gostar de alguma coisa da qual não conhece?”
Ela também reforça que os professores deveriam ajudar na formação do ser humano e não simplesmente fazer o seu trabalho sem se preocupar com a vida de cada um de seus alunos.“Os professores como não conhecem as dificuldades que os meninos enfrentam, muitas vezes falam para eles irem embora para casa calçar um tênis, pois vão a escola de chinelo, sem entender que eles não tem condições de comprar um”.
Flavia ainda era adolescente quando se encheu de coragem, que significa agir com coração, para ajudar o próximo. A sua felicidade hoje é sempre contribuir para ter um mundo melhor e ver seu sonho realizado: depois de cinco anos de espera, Flavia é uma futura pedagoga.


Uma contribuição da minha amiga, aspirante à jornalista!

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