19 de junho de 2010

Os índios e nós













O caminho que leva para a aldeia Guarani Tekoa Pyau é praticamente deserto de pedestres, o que se vê mesmo é a movimentação de carros e caminhões, parece um lugar de passagem. E passando por lá, eu e mais três amigos visitariamos a aldeia pela primeira vez. Mas, antes de entrarmos no território dos índios, passamos primeiro por uma rua onde a calçada é repleta de folhas secas e é preciso ficar atento, para não bater a cabeça nos galhos mais baixos das árvores. A impressão que tenho é de não estar mais em São Paulo, exceto pela rodovia dos Bandeirantes.
A rua segue asfaltada até a entrada da aldeia. Lá, o chão é de terra, com a qual as crianças têm uma forte relação, perceptível até aos mais destraídos. Descalças, elas correm por todo o território, pulam nos bancos de areia e se escondem entre as poucas árvores existentes no lugar, sempre gritando palavras na língua Guarani. Tupã, uma das lideranças da Tekoa Pyau e também nosso guia, diz que esse contato com a terra é muito importante para os pequenos guaranis. “As nossas crianças são criadas assim, livres. Elas crescem mais saudáveis, a terra ajuda a criar anticporpos.”
Além dos traços diferenciados, do tom mais escuro da pele e dos cabelos negros e lisos, as crianças guaranis são sempre muito sorridentes e hiperativas. Talvez, seja isso o que mais me encanta, a inocência de não saber o que se passa com seu povo. Pena mesmo, é não conseguir conversar com nenhuma delas. Na aldeia, os pequenos só aprendem o português após os 7 anos de idade, até lá, só falam em Guarani. Algumas crianças mais velhas tentam me ensinar algumas palavras de sua língua, mas é quase uma tortura vê-las conversando e não poder participar.
Mas, da mesma forma que elas convivem com a terra, também estão próximas demais dos perigos de ter uma rodovia como quintal de casa. Em uma das minhas visitas, vi um pequeno guarani que para se divertir, pegou um pedaço de papelão, passou por um buraco na parede que dava para a Bandeirantes e escorregou pela encosta da rodovia.
Os Guaranis de hoje dividem o espaço com a rodovia que leva o nome dos algozes de seus antepassados, os Bandeirantes. Como nós, homens brancos, os moradores da Tekoa Pyau também têm de conviver com o barulho e a poluição de estradas e avenidas, mas no caso deles, o destino agiu com mais irônia. Na época da colonização, os Bandeirantes eram homens que adentravam as matas, capturando os povos indígenas na busca por riquezas. Nas palavras do índio da etnia Kayapó Edson, que visitava a aldeia, “esses homens mataram milhares de índios e hoje são considerados heróis. Tem até uma rodovia que leva o nome deles.”
Mesmo sendo de outra tribo (Kayapó), Edson foi bem recebido e sempre que visita a aldeia Guarani, encontra abrigo. Para o índio, todos os povos indígenas são parentes, não importa em que parte do mundo estejam. Essa é apenas uma das tantas lições que eles têm a nos ensinar. Mas, essa prática parece ser recorrente só entre eles, pois devo confessar, que o primeiro contato com eles não foi fácil.

O primeiro contato

Acredito que o contato dos primeiros portugueses com os índios que aqui encontraram foi infinitamente mais fácil, do que o que tivemos de travar nessas visitas a Tekoa Pyau. Os colonizadores daquela época não tinham o peso e a vergonha de mais de 500 anos de extermínio, usurpação e escravidão dos povos indígenas.
Os índios chamam o homem branco de juruá e nunca senti tão intensamente essa diferença entre nós, quanto nessas visitas. Em todas as vezes que estivemos na aldeia, nossa relação nunca foi fácil. Fora as crianças, que sempre paravam e sorriam para nós e o nosso guia Tupã, todos os outros sempre procuravam ficar distantes. Conversar com eles é quase impossível, às vezes, até conseguiamos arrancar um sorrriso ou um “bom dia” de alguns.
Certa vez, tentei puxar conversa com o Senhor José, uma espécie de médico, que conhece as raízes e seus benefícios para a saúde. Quis saber qual planta usar para curar uma dor muscular, a resposta do velho índio foi incisiva: “não sei o nome de todas as plantas, reconheço só quando as vejo, daí sei para que servem”. Após dizer isso, ele se afastou.

A vida na aldeia

Mas, o silêncio era reservado apenas para nós, os juruás, entre eles havia conversas e sempre em Guarani, mesmo na nossa frente. A aldeia também é bastante movimentada, as crianças estão por toda parte - ao todo são mais de 250 – e enquanto brincam, os adultos se reúnem em volta de uma fogueira para comer e tomar chimarrão. Tupã diz, que essa prática é muito antiga entre eles.
Andar pela aldeia e não perceber o quanto a nossa cultura já está presente na vida deles é quase impossível. Dentro das ocas, geralmente feitas de madeira, as músicas que eles ouvem são as nossas, vestem as nossas roupas, apesar de não se importarem com a combinação de cores e estilos. A maioria tem celular que, ou está pendurado no pescoço, ou dentro do bolso. Mas, não é muito difícil enxergar o choque das duas culturas, em que outra situação encontrariamos um povo falando o Guarani em um telefone celular? Só o fato de encontrarmos índios que ainda falam sua língua mãe e ensinam isso para suas crianças dentro de uma cidade como São Paulo, já é admirável.
Mas, não são só elementos da nossa cultura que encontramos na aldeia. A prática de fumar cachimbo também é comum entre os homens e mulhere da tribo. Segundo Ubiratã, um Tupinamba que também estava de visita, quando um índio acende um cachimbo ele faz uma oração para Tupã (Deus) e se o fumante cuspir, é sinal de que a prece está sendo atendida pelo deus. A famosa expressão “cachimbo da paz” tem razão de ser. Quando um índio vai visitar uma tribo de etnia diferente da sua, ele sempre leva consigo seu fumo, pois o ato de acendê-lo significa que veio em missão de paz.

A resistência

Nessas primeiras idas à aldeia Tekoa Pyau, nosso contato mais intenso foi com Tupã, uma espécie de porta-voz dos índios guarani. Sua missão é justamente essa, conversar com os juruás que chegam e não é difícil entender o porque. Em todas as vezes que estivemos por lá, encontramos pessoas da Fundação Nacional dos Índios (Funai), do Controle de Zoonoses da prefeitura e até mesmo de grupos religiosos.
Tupã nos acompanhava nas caminhadas pela aldeia e nos falava sobre o dia-a-dia da tribo. Repetidas vezes, sentamos na casa de oração, uma espécie de igreja, onde são feitos os ritos e cerimônias religiosas e conversamos sobre as tradições da cultura indígena.
Claro, que durante esse meio século de convivência com os juruás, muita coisa se perdeu. Eles não têm mais a vastidão das matas para caçar, nem os rios para se banhar todas as manhãs, mas a consiciência de ser índio, ainda prevalece.
Eles sabem da difícil condição de seu povo, principalmente, quando estão inseridos em uma grande metrópole. Conhecem seus direitos e lutam para que sejam respeitados, inclusive quando se trata de reconhecê-los como os primeiros habitantes dessas terras. Fazem questão de ressaltar, que a história da colonização foi contada errada.

Um comentário:

Letycia Holanda disse...

Essa história eu conheço bem, rs
Que a alma esteja sempre ansiosa e ao mesmo tempo tranquila durante essa nossa jornada...

Amei o novo visual do blog!

beijos!